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sexta-feira, março 12, 2004

Dizem que a infância traz consigo mantos espessos de memórias e de lugares aos quais nunca mais iremos voltar. Mas invade-nos a ideia, ao fim dos anos, de que todas as cartas acabaram por ser esquecidas, que muitos dos rostos que se nos cruzaram na rua - que na altura se nos prenderam nas costas - neste momento nos trazem o silêncio, quando a casa por si só se mostra já vazia. O meu corpo ocupa demasiado espaço. O cansaço chega-me de uma forma despropositada, sem recados. E, de quando em vez, o silêncio instala-se-me nas mãos, como se a minha garganta pedisse água e somente o pó dos textos nos entrasse pelas narinas: e era nestes momentos que costumava ter-te a adormecer nas minhas mãos. Tentava de alguma forma disfarçar o peso do tempo nos teus cabelos; afastava-os lentamente do teu rosto como que a dissipar o passado para que as tuas pálpebras, essas, não se sentissem abandonadas pelos quadros que pintámos em dias sem data. A fundura do nosso corpo não se descobria até ao momento em que me ultrapassavas: e, sem notares, olhavas para o lado e a tua face denotava a imagem que tantas vezes se me deparou durante a noite: a de que tu acordavas, e as minhas mãos permaneciam abertas a tentar estancar a hemorragia.

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