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quinta-feira, junho 23, 2005

O rosto onde nasces.

Há luzes que levam de volta o corpo para a casa que te foi insuficiente. o silêncio
rodeia-se de espaços ocos onde não cabem recordações de nada

tentamos dormir mas a face sua:
os delírios retornam.

A cidade ergue-se na penumbra. pessoas e pessoas alimentam-se de medo e os cabelos tingem-se de loucura

o vento que persegue afasta o teu odor
a casa não é mais tua.


Seguimos as cruzes de néon que agridem a pele. gritam a tua origem; recordam-te, de uma forma inevitável, aquilo que foste

e que já não te permitem ser.

Engolimos as vozes. sabemos de antemão que os teus dias se aproximam do início:
deixamos que as mãos sosseguem sobre as cartas que pararam de
surgir.

o rosto onde nasces

e agora só há movimento para que possamos encurtar a d-i-s-t-â-n-c-i-a que
nos separa dos amigos:

o peito enche-se de nomes

os olhos engolem moradas antigas onde os procuraremos

apesar de sabermos
que não vivem mais .

quarta-feira, junho 15, 2005

Tumbstones on the sidewalk.

Pressionam-se as mãos, febris

absorvem as ilusões
e procriam-se debaixo do tapete rubro. os olhos são ainda infantis, tornam-se claros
à medida em que o rosto empalidece.

abrimos imensas janelas , os rostos implodem quando a mão sofrêga lhes
toca e diz: 'não mais'.

lá fora há vozes em declínio que procuram abrigo da loucura
mas
a casa é branca quando os anos se apoderam dela.

recordamos truques de magia de quando a idade ainda nos convinha:

tacteávamos
planícies cheias de poeira por onde os nossos corpos se mesclam ainda sem saber para onde ir:

a fuga
no olival que se estendia pelas pálpebras, por onde julgávamos que a doença não alastraria:

o medo-pungente
de que a cura se diluísse na chuva rara e plúmbea.

hope has a strange name now.

as horas-várias estão saturadas. o odor do corpo antecipa os movimentos da alma para que,
longe daqui, possam ouvir tudo aquilo que fazemos

et, peut-être

esperar-nos, sem pressa, ao abrigo do meio-dia, sem tempo para a inocência que trazemos nos bolsos.

sábado, junho 11, 2005

Dança

No fundo dos corpos esconde-se a dança em que
os dias, inevitavelmente, se afundam.

existe a rotina dos bons-dias; o ofício do olhar ausente que atrai
os amigos como se falassem deles.

E saímos de casa à pressa. deixamos a porta entreaberta. as mãos côncavas e
secas, com o cansaço da fuga que a juventude planeia.

a dança persiste.

- palmilhamos as ruas, atentos às saliências em que a tua voz se possa entrincheirar. Escrevemos cartas com pedidos de abrigo; temos como imagem
o rosto dos pais e o torpor atinge-nos sem prelúdio

as roupas desdobram-se em rastos de terra
como homens no deserto.

Há folhas a divagar no escuro. Há cães que nos protegem da nossa boca, da nossa fome. O teu coração persegue-te

noites a fio ouves o ruído do amor

e o ventre que palpita encolhe-se à medida em que a velhice se nos assoma: esquecemos os soalhos lugúbres; os dias de escola; os piqueniques ao meio dia; os risos cúmplices que vinham da água

o corpo há-de parar

no decorrer da noite se encontram os passos perdidos. aglomeram-se, apresentam-se de sopetâo e partem

e na planície permanece a infância

que o verdadeiro amante não sabe
dançar.

quarta-feira, junho 01, 2005

Casa.

Os gestos são difusos, confundem-se com os espelhos que semeámos apenas
para esconder o reflexo do sorriso que trocámos. A luz torneia-me os olhos, devagar, e os dedos absorvem pessoas como se escrevessem os seus rostos

acentuam a tristeza do olhar.

A fome do mundo :: a distância das crianças fica palpável :: a voz dentro do coração
que se emudece e sissia: o lado errado é este.

a voz faz-se de lume.

E, ao chegar a noite, no mesmíssimo momento em que nos lembramos do que deixámos, os músculos bloqueiam: deixam-nos inertes, no meio da estrada poarenta, hipnotizados pela sombra de algo .. de alguém que julgáramos desaparecido.

aí, despertamos.

Procuramos nos bolsos as cartas que esconderamos - os pés afundam-se

olhamos no rosto o medo da solidão - as mãos são gélidas

tentamos falar: a voz encapela-se: o peito estremece explode - os olhos reviram-se

e o mundo, sem translação, ouve-nos os lamentos - a voz, enfim, identifica-se:

este é o lado errado do amor.