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domingo, outubro 10, 2010

tudo isto começa sempre no mesmo sítio: no interior da algibeira.

andamos normalmente pelas ruas. uns dias chove, outros dias nem tanto. e o nosso rosto ressente-se disso. mas continuamos

até ao momento em que metemos as mãos aos bolsos, para nos protegermos dos invernos escuros e rugosos:

encontramos bilhetes de autocarro ou papéis impressos em máquinas,
num determinado momento,
em que estávamos acompanhados por
uma determinada pessoa ou assoberbados por
um determinado sentimento

e volta tudo de rompante.

aí, a mente recorda aquilo que fez ou que imaginou; o peito reescreve nas veias o ritmo a que o sangue pulsava, no momento em que as paredes secas pararam os gritos

e recordo a tua pele marcada e isso queima-me as pálpebras.

a minha voz encapela-se à medida em que te quer ver, de baixo para cima, e dizer que tudo não passou de um caminho errado, de um reflexo inesperado e impossível de reviver

mas, todas as noites, essa imagem retorna aos lençóis quentes e relembra o rosto que se viu ao espelho e não se reconheceu.

podia não ter sangue em redor do olhar, podia haver silêncio e uma aparente calmia mas
afinal eu não sei sempre tudo: assim notei que o espelho não produzia reflexo

e me enclausurei.

foi a partir daí que refiz o caminho de volta. não recordo a data, não recordo o momento - sabes que a minha memória já não é o que era

e talvez por isso tente apagar dos lábios o nome das crianças por nascer,
mas mesmo assim sei-os de cor, até que me amparem o corpo

ou me façam esquecer as tuas fotografias.

terça-feira, outubro 05, 2010

posso dizer que o meu corpo precisa de um início, que precisa de ser uma pele branca, sem cortes nem cicatrizes

mas não as consigo perder, por mais que queira.

tenho-as comigo, tenho-as tatuadas na derme e a primeira coisa que vês são as vozes que gritam, assim que te aproximas de mim.
e por mais que as tente calar, o meu corpo só obedece a ele próprio e, por tudo isso, nos separamos.

mas, mesmo assim, a minha garganta insurge-se contra os muitos anos de verdades dúbias e sentimentos desacertados:

tento recuperar a liberdade que um dia consegui sentir; o sorriso genuíno que, após largos anos, já não sei reproduzir; recupero os nomes que enumerámos e o rosto do nosso filho que não vimos nascer; o calor da pele que surge de rompante e emerge pelos lábios, até que consiga nomear-te e dar-te um rumo

e com tudo isto olho-te, à janela, do lado de fora. observo tudo aquilo que conseguiste sem mim, e vou embora.