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terça-feira, novembro 27, 2007

essência

penduras no corpo as cruzes do dia que passou e pedes a gente conhecida que te olhe e te diga que não és invisível.

tens na voz o nervosismo da hora; o cansaço começa a apoderar-se das tuas memórias e apenas olhos reluzentes surgem, no meio de actos impensados e imberbes

depois de tudo, acordas.

metes as mãos à cabeça e afagas a barba como que a pedir perdão por não conseguires descansar. pedes ajuda em tons de surdez

e ninguém ouve

partes à procura de conversas imperceptíveis; prescrutas as ruas da cidade para lhe tomares o gosto e descobrires o seu nome. os olhos doem-te do esforço de ver

reconheces em todos rasgos de
mágoa e
de arrependimento

fazes-te à estrada sem olhares para as placas. não queres saber quilometragens ou direcções. caminhas sem fim e sem espírito: tudo o que eras ficou no quarto, preso à cama, momentos antes de fechares a porta.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Já não te guardo raiva. sabes isso.

já não guardo em mim as fotografias que tirámos, as músicas que ouvimos, nada. guardo apenas o teu sorriso de quando te vi pela primeira vez. guardo apenas o teu primeiro olhar de quando desceste pelas escadas e soubeste que iria terminar, um dia.

sei de cor cada momento que aconteceu nesse dia. e ainda sei o teu nome como se fosse meu mas .. apenas isso. estás por aí, algures. deves estar bem porque as más notícias correm sempre mais depressa e essas ainda não me chegaram. espero também que tenhas alcançado a tua paz. a minha, essa, ainda está longe. existem imensas coisas que poderia dizer-te e que guardei durante anos. imaginei por diversas vezes se o teu sorriso está diferente, se o toque das tuas mãos ainda tem a mesma ternura ou o mesmo cheiro. guardo para mim a imagem que tenho de ver-te dormir. e essa não mostro a ninguém porque apenas eu vi. era eu que te velava o sono e agora já não. os nomes que escolhemos juntos já não se adequam aqueles que contigo crescerão e que vão aprender por ti o que é isto tudo: o mundo. e sempre disseste que eu tinha uma visão muito peculiar dele, quiçá especial. e eu sorria.

posso dizer-te que aquele que era contigo já não existe mais; que os olhos que te olhavam, doces, já não brilham da mesma maneira. hás-de, um dia, olhar para trás e sentir no teu peito o peso que tive no teu mundo. e se, por acaso, não conseguires respirar, será porque te falto e porque estou diferente.

já não tenho o mesmo nome que ouviste outrora. as minhas mãos já não escrevem como antes. as tuas sim. mas quero que guardes em ti a certeza de que foram estas mesmas mãos que escreveram no asfalto "amo-te" como se fosse eterno e são elas que hoje te dizem: já não te amo mais, fui embora.

segunda-feira, novembro 19, 2007

tinhas a janela à tua frente e ouvias orquestras para sossegar o silêncio.

a janela negra era como o teu rosto que acorda durante a noite, febril. abrias os olhos com palavras em voos picados pelo quarto, palavras que sobrevivem e se reproduzem no escuro da solidão jovem.

procuravas sons que as tuas mãos sabem criar mas já nada existia: havia pessoas lá fora. havia quem tentasse olhar pela janela: por curiosidade; para tentar esquecer as suas próprias casas ou simplesmente por desatenção.

mas vidros opacos são óptimos espelhos.

decidiste, então, lavar o vidro. semi-cerraste os olhos para que a luz não os magoasse ou para que todas aquelas imagens que sobram do mundo não te penetrassem pelas pupilas dilatadas, perturbando o sono que se apoderava de ti.

- as noites são tumultos e revoltas de nomes que teimaste em esquecer.

limpaste do vidro anos e dias de medo. o teu corpo tremia, os dedos já não circunscreviam a tua dor como antes. notaste um vulto acercar-se a ti. permaneceste por detrás do vidro mas a tua respiração tornara-se ofegante

suas e os ombros encolhem-se

receavas a voz que surgiria, o que diria ou os silêncios que traria consigo. o rosto negro assomou-se à tua janela e observaste apenas os seus lábios gretados pelo frio.

apenas conseguias dar atenção à derme mal cuidada, o cabelo descolorado e imperfeito. dentro da tua memória reconheceste feições similares. não sabes quem é.

procuraste e ainda procuras o nome que te crescia por debaixo da lingua, preso à pele e sem conseguir soltar-se de ti.

tens tudo escrito na tua pele apenas para que não tornes a dizer o mesmo.

tentaste abrir a janela mas apenas o vento entrou pelo quarto, arejando as folhas amarelecidas e gastas: perdeste o teu sorriso quando tentaste recordar quem foste.

quarta-feira, novembro 14, 2007

146

are you able to go back to the start ?

em silêncio, se ninguém te dirigir a palavra, consegues encontrar o caminho novamente para casa ? tens trocos no bolso para pagar o bilhete de autocarro que, anos mais tarde, encontrarás novamente no bolso e te fará recordar ?

naquele momento, entraste. olhaste o motorista, olhaste novamente para a casa que se fechou por detrás de ti e foste embora. não sabias se era a última vez. mas foste embora, mesmo assim.

voltaste uma e outra vez. continuas a passar lá, de quando a quando, a tentar provar a ti próprio que consegues esquecer um caminho que tantas vezes fizeste.

tinhas um farol que já ruiu.

e dás por ti a olhar para a frente enquanto o motorista - sempre ele - quase te grita aos ouvidos o preço do bilhete que sabes de cor. pagas, esqueces o nome, sentas-te lá para trás onde ninguém te vê e para que possas olhar à vontade, esqueces o sabor que trazes colado aos lábios

soletras as letras do seu corpo, baixinho, como se fosse este o momento em que lhe constróis o rosto - e apagas os mapas.

o autocarro parte. tu partes com ele mas, atrás de ti, bem à porta do nº 20, 4º esquerdo, ficaste tu. resta agora saber se vais voltar para que te reconheças novamente e saibas que já não és o mesmo que tantas vezes esperou, sentado, com frio, na paragem do 146.