Pesquisar neste blogue

terça-feira, julho 20, 2004

Silhuetas.



Horas de pouca luz são estas que nos cercam a memória. Os olhos são aquelas saliências que surgem, marcadas pelos sorrisos extemporâneos dos animais. Somos o rasto que deixaste: existem velas em redor do quarto a marcar as conversas de fim, os desenhos de mapas criados apenas por debaixo dos lençóis que, de tão usados, se nos misturaram à pele. Não notamos já a diferença inócua da tua voz ao longo dos anos: emites sons graves, distorcidos e breves, como que não deixando antever os anos que nos separiam do que agora somos - de quando nos voltaríamos a ver.
 
Que virá atrás de ti ?
 
Terás as mãos cerradas sobre o espaço, os olhos delicadamente fechados e os lábios, esses, quedar-se-ão estagnados e imberbes. Existirão travos salgados do mar que se nos abeirou à janela, momentos antes de adormecermos e sabes bem que durante a noite não há silhuetas.

quinta-feira, julho 01, 2004

Dias como este e não mais.

Temos a simpatia dos desertos a rodear o lado obscuro da face, aquele por onde o teu corpo se relembra dos dias anteriores, dos mesmos em que tu-te-despediste. Resta-nos esta noite, com a mente a rodear os outros - desconhecidos - que pela rua se vão espalhando, a semear o nome de alguém cujo desaparecimento deixou um vácuo estranho: impossível de preencher.

Chega-nos, ao mesmo tempo que as cartas, o rosto triste dos que ficaram, atrasados, à espera de um gesto do qual se pudesse depreender um arrependimento, um dúvida: quiçá um voltefacevoltaratrás na última palavra que deixaram: "até já".

E nenhum pormenor do único gesto que criaram se pode salientar, apelidar de vislumbre de um dia melhor do que este, um dia onde tu não tenhas ido; onde o teu corpo não se tenha virado para a frente, olhando apenas a estrada precária que havia a percorrer, cheia de lacerações e equimoses múltiplas, provocadas apenas pelo ardor dos teus olhos ruborizados e laranjas

O ombro ferido que se rodeia de visões

A face que se encerra a si própria no peito do mundo.

Tomamos consciência de que, ao fim de tantos anos, depois de tantas marés por onde os teus saltos ressoaram, por entre tantos copos vazios a cheirar a beatas de cigarro mal apagadas porque tivemos que partir apressadamente; por entre tudo isso: resta a imagem de ti tão torneada pela velhice pela fundura da despedida.

Rejeitamos o silêncio das ruas, surge-nos a simpatia do deserto onde largamos as roupas e de novo surge a estrada, única voz para onde tu consegues olhar e ver, ao pormenor, toda a longevidade que um dia se te assomou, aquando da partilha de dias como este e não mais onde foi possível escrever na folha de rosto tudo aquilo que, de um modo simples, te define.

Tenho o meu único retrato pendurado numa margem dos ombros. Sai-se-me a loucura apenas ao colocar panos molhados a tapar-te o nome, para que a simpatia que se nos depara do deserto seja apenas isso: a maneira triste de aquietar o medo que nos cresce - por onde os filhos desaparecem.