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quinta-feira, julho 21, 2005

sleepwalking.

Tens um espaço imenso e vão diante de ti. pousas as sapatilhas rente à cama. tens a teu lado os dentes que reconhecem corpos antigos pelo sabor:

junto à pele tens o perfume esvanecido de meses sem procura.

olhas pela janela.

vês como o dia se sobrepôe à noite sem amplexos. cerras os olhos. adormeces com as fotografias gravadas no peito, com os nomes incrustados nos braços que, de tão cansados, esquecem as faces e retornam à antiguidade.

tens para ti a crença de que a família nunca te esquecerá.

as restantes desapareceram, como a tua juventude, como o teu vigor.

tens os dedos encarpelados, rugosos
- já não escrevem como outrora.

abres os olhos:

vês em ti um peso desconhecido, pálido. notas que tem imagens anexadas. corres, tentas encurtar os anos que te afastam da porta que entretanto se abriu: entre ambos erguem-se precipícios de febre: esqueces as vozes dos amigos: guardas a tua loucura dentro do baú.

olhas pela janela

vês o amor que passou repentinamente, com um 'olá' apressado. não notaste a sua despedida, com a mão rente às ancas, como que num gesto esquecido de dizer adeus.

limitas a tua própria ausência nos teus dias, nos teus outros dias que entretanto secaram nos olhos.

regressas ao leito de lume. o corpo-antigo crispa ao som da despedida; imita aquele que partiu: despedes-te sem que notes. adormeces

e, doravante, durante o sono, mais ninguém te fará falar.

segunda-feira, julho 18, 2005

Tempo-meio.

Tenho as datas e locais tatuados pelo corpo onde o teu abraço se imiscuiu. a tua sombra percorre os becos
as vozes gritam: a minha temperatura eleva o seu nome e penetra o rosto ausente que escurece.

as distâncias rodeiam os amigos que não acreditam; aqueles que se deixam consumir pelo fogo dos dias: tenho o suor da felicidade a escorrer pelas membranas dóceis do meu sorriso

agitam-se as pálpebras
- há lágrimas que queimam;

relembras o afilhado que ocupa o lado longínquo do teu coração ;
crescemos apenas para que as mães se desassosseguem: para que esqueçam as roupas ociosas que teimam em se deixar ficar no armário,
sem luz
sem espaço . com tempo antigo

de
quando éramos inconsequentes e tínhamos nas mãos o enigma do amor.
retornamos ao corpo ínfimo que sabia que estavas aí.

quarta-feira, julho 13, 2005

a companhia nocturna.

As crianças vestem a idade dos pais; partem para o mundo com a certeza de que, ao cair da noite, ainda o corpo estará adormecido.

olham os outros. desconfiam dos sorrisos que lhes arremessam; permanecem, calmamente, encostados à esquina, esperando a companhia nocturna na sua cegueira.

não notam que os olhos estão repletos de febre
não sentem os nomes que saltam das mãos assim que as abrem.

esperam mais, até que a impaciência toma conta da voz.

praguejam contra a doença que os fez nascer; renegam para a garganta todas as imagens que tiveram sobre o amor; desistem de cobrir com a pele a tristeza que os invade

quando se apercebem que
ninguém há-de chegar.

dão meia-volta, deixam as roupas cair porque o corpo lhes foi insuficiente.
vêem os amantes pela rua,
perdem-se a contar os passos que lhes faltam para chegar a uma casa onde, sem surpresa, não haverá vivalma.

fintam as luzes para que cresçam apenas na penumbra: e assim apenas se poderão lembrar do quão escuro estavam os anos da espera.

sexta-feira, julho 01, 2005

cinderela.

Há traços de pele pelas ruas que escondem em si o cheiro da nascença. Os nosso dedos desenham na penumbra o rosto leve daquele que dorme e que chama para si

a beleza
a inocência.

Anos volvidos, continua com o mesmo rosto de menina que dança. Foge para o quarto onde as pessoas perdem o nome: onde o rosto, são, descansa.

não me vês. estou aqui
por onde quer que vás.


Perdura nos retratos, perdura nas lembranças onde os seus olhos queimaram a epiderme. E hoje é o dia do princípio e a presença do corpo não é mais necessária.

Why do you always come and go and never let me touch you ?



Ainda temos em nós o calor que as badaladas do relógio despertou. ainda as palavras ténues que trocámos, o banco no meio do quarto e o teu coração-desajeitado
que me empurrava para um desejo de criança

que se aninha no colo

e dorme, no amor dos meus lábios.