Tens um espaço imenso e vão diante de ti. pousas as sapatilhas rente à cama. tens a teu lado os dentes que reconhecem corpos antigos pelo sabor:
junto à pele tens o perfume esvanecido de meses sem procura.
olhas pela janela.
vês como o dia se sobrepôe à noite sem amplexos. cerras os olhos. adormeces com as fotografias gravadas no peito, com os nomes incrustados nos braços que, de tão cansados, esquecem as faces e retornam à antiguidade.
tens para ti a crença de que a família nunca te esquecerá.
as restantes desapareceram, como a tua juventude, como o teu vigor.
tens os dedos encarpelados, rugosos
- já não escrevem como outrora.
abres os olhos:
vês em ti um peso desconhecido, pálido. notas que tem imagens anexadas. corres, tentas encurtar os anos que te afastam da porta que entretanto se abriu: entre ambos erguem-se precipícios de febre: esqueces as vozes dos amigos: guardas a tua loucura dentro do baú.
olhas pela janela
vês o amor que passou repentinamente, com um 'olá' apressado. não notaste a sua despedida, com a mão rente às ancas, como que num gesto esquecido de dizer adeus.
limitas a tua própria ausência nos teus dias, nos teus outros dias que entretanto secaram nos olhos.
regressas ao leito de lume. o corpo-antigo crispa ao som da despedida; imita aquele que partiu: despedes-te sem que notes. adormeces
e, doravante, durante o sono, mais ninguém te fará falar.
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