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segunda-feira, outubro 19, 2009

Procuro o meu corpo todos os dias.

De manhã, tento erguer a voz de modo a sentir que estou aqui presente mas só surge uma leve rouquidão, quase imperceptível.

tento tocar a pele para ter a certeza que estou ali mas não há pele. a cabeça que tentou adormecer numa almofada que não era a minha está por demais cansada e, em último caso, tenta ir buscar memórias para sentir que está viva, mas não consegue.

portanto não há corpo.

assim, parte-se para o passo seguinte: tentar comunicar, de alguma forma, com outras entidades esquecidas na caixa do correio. não interessa a ordem do nome, ou o seu tamanho. não importa que não haja memória do mesmo ou que, se o nome for proferido, que não nos diga nada.

apesar de tudo, é um nome que nos vai ouvir.

surgem as sílabas do nome, começa a surgir um rosto como se a mente conseguisse lembrar. ao mesmo tempo, o meu corpo começa a ganhar forma e peso, quase como se o conseguisse tocar. estico os dedos para o peito, tento agarrar um bom pedaço de pele mas os dedos são translúcidos e atravessam o peito como se ele não existisse, como se ele não guardasse nada dentro de si.

a manhã continua. os movimentos tornam-se mais fréneticos e, ao mesmo tempo, mais sôfregos. a respiração, a única coisa física e mais similar a algo pálpavel, revela-se uma automotora sem caminho.

e aí encontra-se o pânico. o meu corpo não existe, a minha memória não funciona, os meus dedos não conseguem tocar e o meu peito já não guarda cicatrizes algumas. nada funciona. respiro demasiadamente rápido para conseguir reter oxigénio nos pulmões. a derme começa a suar mas as gotas caiem de imediato no lençol ainda quente porque não existe um corpo que as sustente.

grito

e no final já consigo abrir os olhos e ver o descarrilamento que surgiu sob a pele do corpo que regressa.