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quarta-feira, maio 18, 2005

e o corpo.

O corpo é incessante alarga-se em redor das ruas
que já se mostram vazias. a sombra adianta-se-lhe.

o corpo que acende cigarros não é mais o mesmo: a voz foge-lhe
nos momentos em que os rostos se lhe assomam.

os passos tornam-se longínquos à medida em que a idade se
aproxima. recorda aquilo que já não é: tem consigo aquilo de
que já nada sabe. retira-se sempre antes do fim: discreto, escondido
por entre os restos daqueles que se lembram dele
mas que já não o reconhecem.

em lugar das mãos tem cartas.
em vez dos olhos tem duas vozes trémulas que perguntam, com receio,

'que horas são?'.

já não há velas que te levem onde queres ir.

a tempestade do amanhecer aproxima-se do corpo.

O corpo que dói.
O corpo que dilacera.

estende-se pelos quartos abandonados, pelos lençóis ainda
quentes e desmanchados. pelos cinzeiros azúis inerte.
mostra-se quando todos os outros já partiram: abre-se sobre as mesas
onde o alcóol prolifera

por onde o teu vulto jamais passará.

a cidade é jovem ainda. O corpo, esse, já se
despediu com um 'ad eternum' veloz.

e o meu corpo é este.

segunda-feira, maio 09, 2005

A im-posse.

Os olhos suspensos no limiar da loucura vêem apenas a ausência do corpo nos espaços
oblíquos da cegueira. Sentamo-nos lado a lado: a voz suspende-se por momentos e, de onde a fogueira crispa, surge o rosto incansável da criança que não há-de nascer.

para onde ?

Os dias começam a criar-se em casulo, dentro das cartas de abandono e distância. Passos ao longe anunciam em uníssono o fim do cigarro insone: a chegada dos outros dias que julgáramos distantes.

e agora ?

Aproximam-se do centro da juventude aqueles que, algures, se tornaram transparentes, inócuos, invisíveis.
Colocam-se ao lado das mãos, penetram os molhos de fotografias e retiram-lhes o sorriso, a magia, a presença que se tornava sólida.

porquê ?

Continuam lá. Mas, apesar disso, olhamo-las com uma vista ausente, como que em despedida, privando-as do afastamento que os anos atenuam. A terra é já saturada pelas lágrimas que brotam do lado errado do coração. Os espelhos denunciam-nos aos demais: é como se o nosso respirar fosse um alarme estridente: como se os seus dentes rangessem assim que pressentem o nosso cheiro: os seus músculos se retesassem assim que pisamos este chão: assim nos impedem o reencontro.

nada podemos fazer.

Resta-nos sentar no meio da penumbra. Os teus olhos plúmbeos que engolem o mundo tornam-se imensos e leves demais para impedir a implosão da carne

e nós a sabermos tanto sobre tantas coisas que não podemos mais ter.