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sexta-feira, maio 28, 2004

Sei que notas a espera que deixo em redor da casa. O meu rasto dificilmente se apaga e o meu rosto ruborizado pela tua partida é demasiado óbvio para os estranhos que me circundam. Além disto, existe apenas o momento em que o corpo deixa de ter peso e em que os filhos o dominam: como se a sua nascença fosse obrigatoriamente necessária para que o mundo se desfizesse: e se tornasse no que conhecemos dele.

Tudo o que ficou por dizer tem o seu tempo próprio e não sei mais como me despedir de ti.





quinta-feira, maio 13, 2004

Em redor a espera.

Eres sabio y cobarde, estás herido en las mujeres húmedas, tu
pensamiento es sólo recuerdo de la ira.


Antonio Gamoneda, Libro del frio, 1992.


De tudo o que resta, sei apenas que não viste o meu corpo à medida que chegava.

Tenho hoje os teus rostos vãos a sucumbir no fundo da casa, e o teu corpo enrola-se-me
na boca: não te sei pronunciar.
Surgem-me janelas imensas pelos espaços vazios da epiderme. Por detrás apenas corpos vazios vários
que não te sabem o nome. Deixei de te reconhecer aquando da partida que conseguiste
aperfeiçoar: estás cansada: o meu corpo liberta-te pelos poros: onde estás nunca o soube:
foste-te.

Restam-me os espaços oblíquos da casa que se fechou sobre ti. A viagem acompanhou-se pelo
traço lugúbre que o meu rosto teimou em desenhar na estrada perdi o sabor da partida rodeei-me
de coisas sem sentido: vi-me com o mundo às costas, pronto a partir. O teu silêncio
já não me chega como outrora, onde se propagava o som das tuas mãos a aninharem-se-me no rosto,
de onde saíam os filhos que teimaram em crescer. Não existem memórias que confortem o peso
do meu corpo sobre o teu: o aroma do amor que teimávamos em deixar ficar em redor
da cama: o traço de esperma que nos apelava à ebriedade das palavras: a fuga
dos rostos difíceis de enfrentar: tu e o adeus que tão-bem conseguiste pronunciar
quando, em mim, apenas os medos se me brotavam da garganta.
Tudo ficou por dizer quando o teu vulto surgiu por entre as ruas desertas da cidade onde
escolhi perder-me: o teu gaguejar matutino e abafado que se me deparava: os cigarros ao canto da boca
no cinzeiro azul nas mãos o cheiro que tu tão-bem-conheces.

Noto hoje que a casa não te foi suficiente. Esperei em redor: foi inútil.

quarta-feira, maio 05, 2004

Behind blue eyes.

Partiste e não consigo mais olhar as paredes da casa que te absorvem o rosto. Em torno existem vários restos da tua pele, vários cheiros que o teu corpo liberta enquanto me ama e me consome. Tenho para mim a certeza de que não sei como me despedir de ti, e terei o teu rosto presente em todos os países para onde fuja. De nada me vale esperar-te ou pensar que, ao terminar a rua, estarás lá. A tua presença traz espaços que não me disseram como apagar, o peito refugia-se-me pelas mãos afora e gaguejo quando chega o momento de adormecer. Acordar torna-se impossível, os cigarros já não trazem a mesma ebriedade e por isso te pergunto sempre quando será o dia em que não conhecerei o teu rosto.

Pesam-te as mãos quando me tocas? Enche-se-te o peito quando me olhas ou quando adormeço? Terás tu a resposta para os outros dias dos quais teimamos em fugir?

Por detrás dos meus olhos ergue-se o teu corpo imponente que me tolhe o desejo de que as mãos apenas envelheçam, sem que delas nada reste para quem venha depois.

Invade-me a febre por te ver partir e deixar a casa que foi tua. Todos os retratos que estendemos pela parede apenas servem para te colorir o rosto e para suavizar o aspecto árido que a partida sempre te deixa nos lábios.