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sexta-feira, agosto 29, 2003

Abraça-me para que se foda o mundo. Hoje chove, sabias? Andei pela rua a molhar os pés, a deambular no meu caminho para casa. E não sei como aqui vim parar. E depois, quando menos se espera, surge de rompante uma musica que nos ficou no ouvido o dia todo: aí, relemos e relemos um texto que ficou pelas nossas mãos, imaginamos milhares de cortes a voar pela pele, à espera de um local propício e carnudo para aterrar, onde um dia irá sobressair uma marca, uma cicatriz, um rosto. Asfixio, gelo-me e não me consigo mexer - o meu pior medo. Estou sobre um penhasco, os meus pés são gigantescos e mesmo assim não chegam ao chão. Lágrimas vertem do solo, por entre a erva e os paus quebrados ou queimados. Estou não sei onde. Não sei o que faço. A minha embriaguez verga-me a um silêncio abrupto que não consigo lavar ou alargar, em redor do meu pescoço.
O tempo está a correr daqui para fora. E tu, onde estás? Eu estou a cair vertiginosamente, a vontade de me deixar cair subjuga-me à inércia de agradecer o frio que vem do norte, onde eu nunca fui. Asfixio novamente. A garganta implode energicamente, as minhas mãos vibram por mim acima sem saber o que encontrar, sem saber se procurar nos bolsos os bilhetes que deixámos ou na carteira o troco que o motorista pede sempre quando saio de tua casa.
Abraça-me e que se foda o mundo.

quarta-feira, agosto 27, 2003

Estás a chegar.

Estás a chegar. Sei que estás a chegar porque, ao olhar da minha janela para a lua ou para qualquer outro planeta que se aproxime, para qualquer outro silêncio que venha até aqui, te sinto. E sei que estás a chegar perto. Sei que, durante a madrugada, irei ter contigo até um sítio qualquer, quiçá longe daqui, talvez na cidade mais próxima, não sei, mas irei ter contigo de qualquer modo. Chegarei lá, olhar-te-ei, e será como se fosse a primeira vez, as pernas tremerão novamente, e a minha pele e todo o meu corpo irá, de alguma forma, dizer o teu nome. Não sei como o há-de fazer mas sei que, nesse momento, quando, ao fim de tantos dias e de tantos silêncios, tantas coisas imaginadas, tanta coisa dita: sei que aí me ouvirás. Estou a fumar, sim, perdoa. Sei o que me faz mal, mas também sei que o sabor de todas as noites, mescladas nos meus lábios, irá fazer-te voltar. Estarei aqui, onde estou agora, à espera, como se nada mais existisse. Como se nada mais houvesse a esperar. Sei que chegarás porque te ouço, porque te vejo, a tua silhueta espalhada pelo quarto, o teu perfume ao som da minha música, os meus papéis a desenharem-se sozinhos, como se algo inóspito, invísivel, algo nosso, estivesse aqui. Não consigo responder a nenhuma pergunta, só espero que chegues. Não sei pronunciar as palavras da mesma forma que me ensinaram, ano após ano, não sei mexer-me, gesticular, bocejar ou inclusivé, deixar-me estar quieto, sossegado, a ouvir-te chegar. Vejo faróis pela rua, a estrada que hoje secou após chuvas que nunca mais tinha ouvido cair. São reflexos que deambulam, embrulho-os no fumo do cigarro, consigo por fim mexer a boca, sentir-me, deliciar-me com o sabor da noite sem espelhos, sem candeeiros. Tardas em chegar. Acho que chegou a altura de me redimir de tudo isto, de todas as histórias que escrevi e que apaguei, de todos os rostos que desenhei durante a noite e que, momentos depois, apagava. Hoje chorei, sabias? Nada de preocupante, o meu corpo cresce ao mesmo tempo que as minhas cicatrizes, e algumas delas já nem saram, algumas simplesmente se deixam ficar, espalhadas pelo meu corpo como um mapa de um qualquer país longínquo que nunca hei-de conhecer. Não lhe sei o nome, ou outra coisa. Nem ele sabe o meu. Nem eu sei o meu nome. Ajudas-me? Gostaria de, um dia que fosse, um momento, em qualquer que fosse o local, a hora, o dia, o ano; gostaria, mesmo assim, que me dissesses como me chamo. Aí, irás saber tudo o que eu próprio esqueci, tudo aquilo que fiz força para enterrar. E agora já me consigo mexer. Talvez estejas a chegar, já. Olho para a rua, não se nota diferença: os mesmos faróis a agitarem-se pela estrada semi-molhada, os mesmo candeeiros luminescentes a trovejarem pelas casas adentro, e na minha vejo silêncio. Na minha casa, nas minhas paredes, enterram-se textos, desenhos, mãos, vozes cheiros corpos memórias poemas mortos. Abaixo da terra, estão os meus pés, como que se de uma raíz se tratassem. Como se as melodias fossem outras, e a mim a vontade não fosse a de me deixar estar quieto, enclausurado, à espera que chegues. Sei que sabes o caminho, várias vezes to ensinei: não sei se te recordas de estar contigo na praia, a fazer desenhos na areia com os dedos, com os meus dedos. Recordo-me que o quero. E continuarei a querer, mais e mais, por aí em diante, até que chegues. Não serei mais a criança que viste nascer. Não me tornareis mais alto, mais sensato e nem os meus cabelos envelhecerão, à medida que espero - as minhas mãos começam a ganhar peso na gravidade, mas não deixarei de desenhar, de escrever, de morrer. Não consigo parar o tempo, não posso fazer mais do que estar aqui, a pensar nas luzes dos automóveis lá fora que rasgam o asfalto húmido, nos barulhos de quem vai lá dentro, ou do peso suportado pelos candeeiros onde, tantas e tantas vezes, me deixei nascer. Estarei aqui, já to disse, não sei quando. Estarei aqui para quando voltares, e estarei à tua espera. Não sei de onde vens, como vens, se dormes, se comes, se pensas em algo que eu não consigo imaginar. Doem-me os olhos. Estou a ver-te, agora: estás debruçada sobre o meu colo, como uma cria de pássaro, o cabelo a gesticular palavras estranhas aos meus dedos, a pele a tilintar-me os sentidos, o teu cheiro a espalhar-se pelo ar, a entrar-me pelas narinas, pelas mãos, pela boca, pelos sentido todos que tenho - e enquanto te acaricio. Estou no mesmo sítio ainda. Não me mexi. Deixei de me conseguir mexer novamente. E o cigarro já não arde ao canto da boca, nem os lábios continuam secos como antes costumavam ficar. Estou a perder-me dentro destes livros todos que me rodeiam, dentro de todas estas imaginações que nada sabem de mim. Atravesso pontes e desfiladeiros sem o reconhecer, prendo-me a pedaços de homens que cavalgam por serras sem nome para que chegue mais rápidamente a qualquer sítio, porque um dia te disse que sei onde estás, e que irei ter contigo. Mas, agora, tudo é diferente: notas, nas minhas mãos, alguma gota de cansaço? Será velhice, dormência, falta de hábito? Existem copos mais saborosos que a minha pele, neste momento. Está salgada como água, fria ao toque, ao gesto, ao sabor e, ao agora olhar-me, vejo, enfim: estás quase a chegar. Passou-se algum tempo, não sei quanto - não conto o tempo - desde que aqui cheguei. Faltas tu. Este espaço está vazio por demais. De quando em vez, animais visitam-me durantes os sonhos que crio para me ocupar. São como famílias numerosas: vêem como me espalho pela maré, e como sinto o pôr-do-sol a mergulhar no rio. Sim, é lindo. Sei que é dourado este brilho que vejo, além das janelas secas e poarentas. Ainda falta algum tempo para que se molhem, o dia de hoje foi somente um presságio pouco eficaz. Porque, mesmo assim, continuarei a querer ir ter contigo à praia, desenhar na areia palavras indescrítiveis, daquelas que saberás, concerteza, decifrar. Bastará olhares para mim. Será fácil. Criar o tempo - sem contá-lo - sempre foi fácil. Iremos criá-lo para nós, não teremos de ir para outro sítio porque alguém se incomoda connosco. Teremos sempre o nosso espaço/tempo guardado, dentro de nós. Terei sempre, a meu lado, uma caixa de madeira, ornamentada com figuras que não conheço e que decerto terão significado. e tê-la-ei sempre perto de mim. Apenas para que possa guardar todas estas palavras que vão surgindo de rompante, sem que ninguém note, pelo meio do silêncio, enquanto espero que chegues.

segunda-feira, agosto 25, 2003

Tenho quarenta graus espalhados por mim afora, enquanto te ouço, e enquanto te quero. Vou, neste momento, para a rua, passear esta febre que hoje se tingiu de cor-de-pele, que se apoderou destas paredes e de mim, sem que desse conta. E sim, ouço-te: não te sei dizer aquelas palavras que se gastam, que ganham pó, suor, que se esticam pelos nós dos dedos e nos deixam, de certa forma, com um pudor maquiavélico, sem noção do que somos ou de onde estamos, do que dizemos, sentimos, tocamos; enfim: sem saber quem sou - és - somos.
Não te poderei recordar e nem escrever mas, de qualquer forma, não tenho sangue dentro de mim, não tenho mãos que me toquem da mesma maneira que a febre me invade, que tu entras - sais - ficas e onde eu não te vejo.
E sei que estarás onde estás, e que eu irei ter contigo.

sexta-feira, agosto 22, 2003

As mãos sob a pele.

Hoje meti as mãos aos bolsos e encontrei um pedaço de mim. E foi como se algo existisse por dizer ainda. Lembro-me que fiquei nervoso, nesse momento, e lentamente retirei um bilhete rosáceo que ainda hoje não me tráz qualquer utilidade ou usufruto, e mesmo assim guardo-o. Mesmo assim me lembro de entrar na sala, olhar em volta, não ver ninguém e, de qualquer das formas, sentar-me, calmamente; acomodei-me, e.. silenciei-me. Não sei o que silenciei dentro de mim, ou quem silenciei fora de mim, sei que todo eu fiquei em silêncio, sem me mexer, sem sorrir, sem voz, tacto, visão. É nestas alturas que um sorriso estúpido nos sobe à cara e não sabemos mais o que dizer, quando dizer, etc. As palavras atropelam-se dentro de nós, enrolam-se-nos na boca e os lábios continuam cerrados - e mesmo assim os meus sorriem.


"Beijarei em ti a vida enorme, e em cada espasmo
eu morrerei contigo." Herberto Helder - O amor em visita.

segunda-feira, agosto 18, 2003

"You owe us blood"

Não sei por onde começar porque existe muita coisa que poderia dizer, e nada ajuda. Já, um dia destes, o disse e digo-o de novo: tudo isto que hoje se mostra, tudo isto que hoje se sangra, tudo tudo tudo, já eu o vi e já sei por onde vai. E não sei porque razão digo isto logo hoje. Não sei mas digo-o porque já aconteceu e porque tudo aquilo que hoje encontras pelas ruas eu já encontrei. Não, não sou sábio ou experiente ou vivido ou conhecedor: em tudo sou leigo mas, de qualquer forma, digo-te aquilo que sei - poderá ser pouco - ou não. I feel helpless, useless, e não sei porquê. E tu, aí desse lado, que julgas? Sempre tive dúvidas de que a felicidade, essa coisa insana, patética, que todos querem e procuram, me chegasse um dia. Não a procuro, ela decerto me encontra. Se não encontrar, muito bem: eu vivo-me como calha, não te desejo o mesmo. "If you try and fail, then try again, try harder, fail harder, but at least try." De nada me vale dizer-te palavras estranhas ou coisas complexas, fazer-te cortes na pele, agitar-te a máscara ou o corpo - só uma coisa se pode fazer: e essa ainda não a descobri, e por isso continuo a tentar. Ela há-de encontrar-me, nem que seja no alpendre de uma casa que eu próprio não conheça, sentado num baloiço que não sei quem terá montado, a olhar para algo que vem ali, ao longe, por entre as árvores que se agitam ao vento: a confusão toma-nos a mente. Estavas à espera disto por isso.. e sei que, um dia destes, vais olhar para trás, olhar como deve ser, como só nós sabemos olhar, e aí saberás que as estrelas não se apagaram e que tu consegues dormir novamente. *

quarta-feira, agosto 13, 2003

Escrevo-vos estas palavras que sei que não vão nunca entender mas, como todos nós sabemos, tudo fica no seu lugar - somente eu parto. Não quero aconselhar-vos a fazer algo que eu próprio não faria, que eu não iria sentir nunca, mas nunca é grande demais. Tudo o que nós temos é semi-perfeito - a nossa não-casa, as nossas não-portas, as nossas não-chaves, tudo o que é nosso mas que ainda não temos. Isto é o inadmíssivel a tomar conta do meu corpo, enquanto te chamo de uma forma estranha e frágil - vocifero como se nada passasse de hoje, como se eu fosse acabar tudo o que deixei por começar ainda esta noite - mas a noite acabou agora. Já é tarde, já não me chamas como antes e eu esqueço-te. Esqueço o teu corpo, o teu olhar, o teu tudo que já não me pertence. És jovem, eu padeço de um mal que me assola, circunscrevo as minhas memórias com traços de fogo, sem que a minha pele se queime e sem que tu notes. Tudo aquilo que fazes já não me cabe a mim avaliar - és pesada demais para o meu corpo, para os meus dedos que tentam, a todo o custo, prender-te a uma imagem difusa e escura de um dia onde deixámos tudo para trás, quando tudo ficou no mesmo sitío excepto nós.

domingo, agosto 10, 2003

De uma forma, de outra forma.

Gritos e gritos e gritos que surgem a meio da noite quando alguém tenta dormir. Assim é a noite por aqui, onde vozes se tornam agressivas e nocivas à pele, quando as mãos já tremem e já não se sabe o que se pode dizer ou não, sem ferir ou sem rasgar peles e brote o sangue. Sim, a minha pele é frágil, sim: a minha pele rasga-se; sim: os meus ouvidos doem também quando falam alto demais, quando falam palavras a mais, quando dizem tudo aquilo que não deveriam dizer, e que eu não vos deixo dizer. Não mo digam, não quero ouvir, eu não quero saber o que têm para dizer, porque já o sei. Todavia, fico surpreso. Porquê? Porque, apesar de todo o meu corpo tremer em toda a sua extensão; porque, apesar de todo eu me incandescer aquando das vozes agressivas; porque, apesar de todos os meus cabelos se eriçarem e apesar de todos os meus esforços em contrário: ouço-vos na mesma. E sim, dizem aquilo que não quero ouvir; sim, aquilo que já sei ouvir; sim, aquilo que já aprendi - à custa de muitas vezes o ter ouvido - a ouvir e a sentir e a negar e a esquecer: enfim, a des-importar-me. Onde foi que o fiz não mo perguntem - eu não o sei. Mas sei que tudo aquilo que me podem dizer eu já conheço, e não o quero ouvir de novo - basicamente porque o dizem sempre da mesma maneira e o esqueço sempre, de uma forma, de outra forma.

quinta-feira, agosto 07, 2003

Recortes de jornal.

Os amoladores de facas descem a rua
como que se
debaixo do asfalto se e s t e n d e s s e m
os nossos corpos, de mãos abertas.

As cicatrizes rolam pelo teu corpo
como pedras de sal ao fim
do dia

No céu voam nomes e rapidamente me
esqueço da aparência que assumiram durante
a noite.

Cospem bombas e bombas
e bombas
pelos orifí­cios do corpo
como que levados por um mal maior - o de sobrevoar
cabeças que não pertencem a nin guém.

Deixam-se cair, enquanto que no chão
se ouvem os silvos das balas balas
balas e da guerra:
.
não deixar nada a este mundo é uma palavra
que se escreve.


Num canto do corpo, as palavras
saem como se a pele estivesse rasgada
e eu fosse um desenho inerte.

Onde estou, o frio supera-me e
tudo o que me resta são pequenas fogueiras
que se vão estendendo pela rua.

Pequenos olhos sobressaem quando olho
para a ladeira - como pequenas luzes, atormentados
pela cegueira e pela insónia.
.
Por isso, hoje volto
atrás.


Para que nada falte ou para que eu me saiba como um asfalto enegrecido

Estavas a despertar, lembro-me. Como se raiasse pelas entradas da cidade
o teu corpo desnudo.

E uma criança ergue-me pelo meio do pátio
e exibe-me como o brilho do sol a irradiar na minha pele

sem
sangue.

A criança sorri - e eu, nas mãos dela.

Este o movimento l-â-n-g-u-i-d-o dos dias,
em transpo
sição
entre as mãos, como o peso de uma mulher nas pálpebras

Æ’Sujam-seÆ’ vidraças quando a respiração
surge, ao abrir-se-me a boca e ao relembrar outras horas

que surgem como capturas, escondendo-se por entre o cabelo e no perfume das heras.

Quando noto que estás ali, levo-te a casa
pelo
meio
das ruelas
enquanto o tempo está quente enquanto tu não notas que te perdes.

E assim hoje se torna meia-noite onde todos os comboios passam

e enquanto estou aqui.

terça-feira, agosto 05, 2003

Não sei o que fazes aqui.

Ainda estou a pensar o que fazes aqui a esta hora. É demasiado cedo para pedir esmolas a quem não conheces, é demasiado tarde para voltares para casa, de onde fugiste anteontem. E já me chamaram de tudo hoje. Sabias? Foste tu quem começou, estava eu no chão sem saber bem porquê, e tu começaste, atiraste a primeira pedra. Caiu-me nas mãos, uma pedra rosácea, a tua fotofrafia pendendo dela, não sei bem como - ainda. Olhei para ti para que não te perdesses e, apesar de ter brotado sangue de mim, protegi-te, e não sei bem porquê. E esperei por ti, não sei onde, para que tu não viesses, vá-se lá saber porquê. E ainda não sei o que fazer por aqui a esta hora, e como me encontraste. Perdoa, chamam-me agora. Vou embora daqui, também não sei o que esperava, se por ti ou que não chegasses nunca e que eu nunca te visse.


to be continued.. damn