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terça-feira, julho 15, 2003

As costas.




Hoje � como que se tivesse acordado e continuasse a dormir. Foi estranho. Entrei no comboio a uma hora que n�o � habitual, sentei-me num lugar que � o habitual e fiz exactamente os mesmo gestos dos quais ganhei h�bito: sentei-me, coloquei o p� l� no apoio que existe por detr�s de outro assento colocado na perpendicular, e deixe-me estar. Coloquei os headphones nos ouvidos, pus-me a ouvir a Comercial para variar - porque aqui s� se consegue sintonizar a Comercial - e comecei a jogar Snake II no meu telem�vel. Recebi uma chamada entretanto, mas n�o interessa. Fa�o isso para que n�o oi�a as vozes que por ali andam. Todos dizem qualquer coisa, n�o se podem sentar, n�o podem fazer aquela viagem sem dizer qualquer coisa. N�o conseguem estar calados - s�o atormentados, n�o aguentam o sil�ncio, tolhe-lhes os movimentos, ficam atrofiados dos m�sculos, ficam inertes, calados - enfim: como eu os quero. Come�o a mascar a chicla nesse momento - de mentol que � mais fresquinha - e mastigo conpulsivamente, de forma r�pida e fren�tica. N�o sei porqu� e at� agora ningu�m me perguntou porqu�, por isso n�o respondo. Entretanto, as esta��es passam e eu continuo ali, com o p� pousado no apoio por detr�s do assento verde colocado de forma perpendicular ao meu, onde outra pessoa entretanto se sentou. Vou passar a noite acordado, a ouvir vozes, muitas vozes, demasiadas vozes, demasiadas palavras, demasiadas entoa��es.. torna-se estranho ouvir as pessoas, elas a falar e eu a ouvir, elas a dizer e eu a entender. Eu a entender. Por isso � que por vezes as pessoas desistem de entender: porque s�o demasiadas palavras a serem ditas, ou porque s�o demasiadas pessoas a diz�-las. Mas estando sentado tamb�m n�o � possivel evitar que falem comigo. Por isso viajo sozinho, por isso n�o gosto de encontrar pessoas conhecidas quando viajo: porque a� existe a obriga��o de falar, n�o porque eu me sinta incomodado com o sil�ncio - por vezes at� o prefiro - mas porque a outra pessoa poder� sentir-se. E, �s vezes - mas s� �s vezes - �-nos necess�rio preocuparmo-nos com as outras pessoas, com outra pessoa, connosco qui��.
E assim me ponho a pensar em mim, porque viajo sozinho. Ponho-me a pensar em tudo, desde o momento em que acordei, ponho-me a pensar no dia anterior, na semana anterior, no ano anterior, na vida anterior, em tudo anterior a agora, a aqui, a neste momento. E por isso se esgota, para depois se tornar anterior, um momento anterior a este. Por isso penso nele, porque � o anterior, e porque eu o quero aqui, anterior mas presente, pr�ximo, mas sempre anterior.
J� me doem as costas e ainda nem cheguei. D�i-me a pele, os ossos, as m�os, os olhos. E d�i-me porque me desenham, desenham-me as costas enquanto a pele me arde. Enquanto tu me ardes directamente na pele, nos dedos ou em tudo o resto que, naquele momento, estava demasiado escuro para que pudesses ver. Mas esse momento, como eu disse, acabou. � o anterior. Chegou o anterior, o momento que acabou. � anterior e por isso o quero aqui, presente mas anterior.
Acabou-se-me a viagem anterior, e d�i-me a pele interior porque tu est�s aqui. E tu d�is-me na pele.



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