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quinta-feira, julho 17, 2003

Boa noite. 09.00 AM

Boa noite. São cerca das nove da manhã e estou atrasado para dormir. Vim pela rua, a cambalear e a tentar manter-me hirto, mas o peso da noite é demasiado grande, são muitas horas a olhar para o mesmo sítio, demasiadas horas a ver o que não deveria ter visto. Ainda não acordei hoje, sinto-me como se estivesse a ser drenado e os meus braços confirmam-no. Estou a perder-me pelas veias, um líquido esbranquiçado surge pela junção da pele e é como se o tempo fosse um movimento duradouro, quase presente, em transposição entre as mãos. E tu apareces novamente: a televisão silencia-me por momentos - estou conhecido por demais - e tu olhas-me, por entre o vidro que cortámos com as mãos, por entre as bolhas que se criaram ao prender-te. Estou demasiado cansado já, para que te possa olhar como deveria. Poderia, se fosse jovem, observar os traços do teu rosto, ver-te a tocar o cabelo para que não te importune, ou simplesmente ver-te de costas, imaginando os teus dias ainda por vir, por detrás do ombro. Cheguei cedo, hoje, e ainda não desfiz a mala. Deixei-a ficar no sítio onde cheguei primeiro. Depois, parti, como se nada houvera acontecido. E tu viste. Através do vidro, ficaste a olhar-me enquanto me afastava dela, os seus trincos bem cerrados com toda a minha roupa lá dentro, os meus sapatos, os meus perfumes, as revistas e inclusivé os meus rascunhos. E nada disseste. Viraste costas a nada. No dia seguinte, deitei-me sobre a cama como se me compusesse uma vez mais. Os olhos fecharam-se-me por volta das onze e trinta, não olhei mais para o relógio a partir daí. Continuo acordado, a pensar como será ter uma mulher que me pesa nas pálpebras, e por isso ainda me olhas, por detrás do vidro. Desligo a televisão. Desapareces.

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