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sexta-feira, janeiro 21, 2005

Um traço pelo rosto.




Um dia existiria em que as tuas mãos se perderiam pelo cansaço das horas. A recordação esbranquiçada das mulheres em torno dos rios e das crianças: o medo ensurdecedor de que a velhice nos abnegasse da sapiência: a cegueira abrupta do amor a invadir-nos os poros: nós , sem respirar , por debaixo de escombros e de trajectos apagados.
A rua parecia-nos , então , com algo que nunca se nos deparara. Assemelhava-se ao traço fundo que nos contorcia o rosto ; trazia nos seus braços a ternura própria de quem esconde a juventude por detrás das costas: as mesmas , largas , que suportavam o mundo em redor.

Depois , chegou a voz.

Nada mais houve que trouxesse o silêncio dos navios que rodeavam a cidade. A luz passou a esconder-se entre nós e os lençois. Os olhos teimavam em fechar-se e apaziguar os gritos dos filhos era tarefa àrdua: o mundo , como o conhecíamos , não passava de um local de abandono.

Por fim , esvaziámos os bolsos das coisas superflúas. Deparámo-nos com imagens antigas de despedidas e de "olás" em surdina. Tornámo-nos pesados para tantas memórias - o queixo as pálpebras os dedos as falanges a barba
e de repente a idade não é mais um obstáculo e as imagens do quarto arredondado os nomes e os gestos
não fazem mais sentido.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

O corpo anodizado.

Existem várias presenças a deambular pela sala: vários rostos aos quais divídas serão pagas, dentro em breve, e de onde os amigos surgirão, com as memórias apagadas e dissolutas. Todo o teu corpo se isola na viagem por si mesmo. Todos os teus retratos se diluem sofregamente e a nós resta-nos a tarefa paciente de os observar, de longe, como se fôssemos alguém a quem importasse o futuro. Éramos jovens quando tudo isto surgiu. Hoje há certezas onde antes não havia nada. E de novo as promessas de ajuda e de companhia ao longo da vida. De novo as cartas anónimas a garantir vozes escondidas e que o corpo regurgita. A esta hora que se disfarça de distante já não existe calma. Virão aqueles que se mostram desconhecidos pairar sobre as nossas viagens e tudo aquilo a que nos propuséramos antes já não tem sentido - e estarei aqui se a tua alma precisar de abrigo.